Racismo estrutural: o que é, causas e consequências

Silvio Almeida, filósofo, advogado e professor universitário, é o atual ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil.

Além de vasto histórico na política e em movimentos sociais, ele é autor do livro Racismo estrutural (Editora Jandaíra), lançado em 2018, que se tornou uma das principais referências para os estudos raciais.

Mas o que é, na prática, racismo estrutural e por que ele atrasa o progresso do Brasil?

O que é racismo estrutural?

Racismo estrutural é quando o preconceito e a discriminação racial estão consolidados na organização da sociedade, privilegiando determinada raça ou etnia em detrimento de outra.

Mais do que se conectar simplesmente ao crime de racismo, diz respeito ao funcionamento da sociedade como um todo.

Naiara Leite, coordenadora executiva do Instituto Odara, explica que “o racismo estrutural organiza a forma como o Estado e a sociedade, em suas diferentes esferas, organizam as relações de poder, com base no reforço e manutenção das múltiplas discriminações pela preservação dos privilégios da branquitude patriarcal”.

Para o professor e confluente Rafael Silva, o racismo é uma das decorrências mais claras da estrutura social sobre a qual a sociedade brasileira foi construída.

“Ele é a regra e perpassa todo o inconsciente coletivo: é possível observá-lo nas relações pessoais, nas políticas públicas, nas desigualdades econômicas etc. Essa onipresença é o que eu chamo de racismo estrutural, a vida ‘normal’ e cotidiana em todos os seus sentidos é atravessada pela questão racial”, completa.

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Qual a diferença entre racismo estrutural e outros tipos de racismo?

Racismo, no dicionário, significa “preconceito e discriminação direcionados a alguém tendo em conta sua origem étnico-racial, geralmente se refere à ideologia de que existe uma raça melhor que outra”.

Em seu livro Racismo estrutural, Silvio Almeida classifica três concepções de racismo: individualista, institucional e estrutural. Essa classificação, segundo o autor, parte da relação entre racismo e subjetividade, Estado e economia.

A concepção individualista 

Pela concepção individualista, o racismo é entendido como uma espécie de patologia ou anormalidade – um fenômeno psicológico atribuído a grupos isolados, os “racistas”. 

Sob esse ponto de vista, não haveria sociedades ou instituições racistas: o racismo seria um ato individual, propagado por pessoas que agem isoladamente ou em grupo.

Na visão de Almeida, tal concepção, “frágil e limitada, tem sido a base de análises sobre racismo absolutamente carentes de história e de reflexão sobre seus efeitos concretos”.

A concepção institucional

O termo “racismo institucional” foi usado pela primeira vez no livro Black power: Politics of liberation in America, de Charles V. Hamilton e Kwame Ture, publicado em 1967.

Já sob essa perspectiva, que, segundo o autor, foi um importante avanço teórico para o estudo das relações sociais, o racismo não se resume a comportamentos individuais. 

Seria, portanto, o resultado do funcionamento das instituições – tanto públicas (o legislativo, o judiciário, o ministério público, reitorias de universidades etc.) quanto privadas (diretorias de empresas e organizações).

A origem da desigualdade racial, sob esse olhar, não seria uma simples consequência da ação isolada de indivíduos ou grupos racistas.

As instituições estariam dominadas por grupos sociais que utilizam seus mecanismos para impor e manter seus interesses políticos e econômicos. O racismo seria uma forma de dominação.

A concepção estrutural

Na visão de Silvio Almeida, porém, todo racismo é estrutural

Como escreve em seu livro, “o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo estrutural.”

Comportamentos individuais e processos institucionais têm, dessa forma, origem em uma sociedade em que “racismo é a regra e não exceção”.

As origens do racismo estrutural no Brasil

As causas do racismo estrutural no Brasil vêm de um processo histórico, remontando ao colonialismo e à dominação iniciadas no século XVI. 

Desde a chegada dos portugueses ao continente americano, índios e negros, por serem considerados inferiores pelos brancos, foram escravizados e impostos à cultura europeia.

Por mais de 300 anos, o trabalho escravo se manteve como um dos pilares econômicos do Brasil.

Desde então, pessoas não brancas e sua cultura, hábitos e rituais foram tidas – e persistem, quase 150 anos após a abolição da escravidão – como “não civilizadas”, conceito que se enraizou na base da sociedade e foi replicado de geração para geração.

Como afirmou a filósofa e escritora Djamila Ribeiro, “a gente já nasce numa sociedade que tem uma hierarquia de humanidade em que, se você é negro, vai ser tratado de um jeito, se é branco, vai ser tratado de outro.

A sociedade já estabelece essas construções para nós e vamos assimilando isso, internalizando e aceitando como verdade. Ninguém nasce odiando ninguém, a gente aprende a odiar.

Os problemas gerados pelo racismo

Os números escancaram o racismo estrutural no Brasil – e mostram que a desigualdade racial vêm se ampliando nos últimos anos.

De acordo com a edição de 2022 do Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial), o país ainda deve levar 116 anos para que pretos e pardos tenham acesso às mesmas oportunidades que brancos.

Segundo o estudo “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, divulgado em novembro de 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a queda na renda familiar dos brasileiros verificada desde 2019, acentuada a partir da pandemia de Covid-19, está ocorrendo acompanhada de um aumento do abismo racial.

Se em 2020 pessoas negras ganhavam em média 48,0% menos que brancos, em 2021 esse percentual subiu para 49,4%. Entre os que se identificavam como pardos, o aumento foi de 46,8% para 48,3%.

O crescimento pode estar associado ao desemprego: em 2021, embora negros e pardos representassem 56,2% das pessoas na força de trabalho, eram 64,8% entre os desocupados.

Essa desigualdade no âmbito profissional tem, por sua vez, origem nas diferenças no acesso à educação.

Entre as pessoas identificadas como brancas, 27,7% declararam não ter instrução ou ensino fundamental completo, enquanto entre negros e pardos chegou a, respectivamente, 36,5% e 38,7%.

O racismo estrutural também se manifesta nos índices da violência no Brasil. Segundo estudo realizado pelo Instituto Sou da Paz, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes em 2020 no país foi de 51 entre negros e de 14,6 entre não negros.

Como combater o Racismo

1. Políticas públicas de igualdade e ações afirmativas

Ações afirmativas são políticas sociais de combate ao racismo a partir da promoção da participação de minorias no acesso à educação e à saúde, na entrada no mercado de trabalho e no processo político, entre outras áreas. 

O objetivo dessas políticas é proporcionar com que pessoas que fazem parte de grupos discriminados e minorizados, vítimas do racismo estrutural, possam ingressar cada vez mais nos espaços sociais dos quais foram historicamente excluídos.

Um desses programas de integração social são as chamadas cotas raciais, que vêm ajudando a combater o racismo no Brasil.

A Lei nº 12.990, de 2014, mais conhecida como Lei de Cotas, determina que 20% das vagas oferecidas em concursos públicos da administração pública federal, das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União sejam destinadas a pessoas negras.

2. Iniciativas na Educação

Há uma Lei de Cotas específica para educação, a Lei 12.711, de 2012, que prevê que 50% das vagas em universidades e institutos federais sejam direcionadas a estudantes vindos de escolas públicas.

Metade desse total é destinada à população com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita, com divisão realizada de acordo com a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência da Unidade da Federação na qual se situa a instituição.

Segundo o IBGE, essa lei aumentou em mais de 200% o ingresso de negros em universidades e pode ajudar a reduzir o abismo racial no Brasil. Em 2010, antes da lei, somente 6% dos alunos ingressaram na universidade a partir de alguma política de reserva de vagas. Em 2019, a parcela saltou para 35%.

Na área da educação, há ainda a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. É a chamada educação antirracista. 

Para Mighian Danae, mestre em educação pela USP e professora da Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), “ensinar sobre a história africana e afro-brasileira é falar para esses jovens sobre uma existência.

É fundamental desde cedo tratar sobre a contribuição negra, sobre a cultura e a literatura. Esses jovens passam a ter referências, sentem-se parte da escola e inseridos naquela realidade.”

3. Leis anti-racismo

A primeira lei brasileira de combate ao racismo foi promulgada em 1951 – mais de 60 após a abolição da escravidão – pelo presidente Getúlio Vargas. A Lei 1390, mais conhecida como Lei Afonso Arinos, que teve a importância de reconhecer a existência do racismo no Brasil.

Segundo levantamento realizado pelo historiador e brasilianista Jerry Dávila, foram apenas 23 os casos enquadrados pela Afonso Arinos – e apenas sete condenações.

Em 1989 ela foi substituída pela Lei 7.716. O que antes era tipificado como simples contravenção penal passou finalmente a ser considerado crime inafiançável, estabelecendo pena de reclusão a autores de atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etinia ou de qualquer outra natureza.

Mais recentemente, em janeiro de 2023, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Lei nº 14.532/2023, que equipara a injúria racial (quando a agressão é dirigida a um único indivíduo) ao crime de racismo (que ocorre quando a ofensa é direcionada à coletividade).

Com a mudança, a pena, que era de um a três anos de prisão, sobe para dois a cinco anos e passa a ser inafiançável.

4. Organizações Sociais que lutam por igualdade de raça

Existem diversas organizações não governamentais sérias e comprometidas realizando um trabalho incrível pela igualdade racial. Uma delas é o Odara – Instituto da Mulher Negra, apoiada pelo Confluentes em 2022.

Fundado em Salvador, Bahia, em 2010, o Odara trabalha em defesa da equidade racial com recorte de gênero em busca da ampliação da autonomia das mulheres negras e o fortalecimento de políticas que reduzam as opressões e desvantagens enfrentadas por esse grupo. Sua missão é combater o racismo, o sexismo, a lesbitransfobia e outras formas de opressão tendo como meta a liberdade e o bem-viver.

Outra, que o Confluentes apoiou entre 2020 e 2021, é o CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), que há 30 anos vem produzindo conhecimento e desenvolvendo projetos voltados para a promoção da igualdade de raça e de gênero.

A organização presta apoio a empresas que desejem implantar políticas de ação afirmativa, e, entre outras iniciativas, elaborou indicadores para a promoção da equidade racial.

Palavra final: Seja Confluente e apoie o combate ao racismo

Desde 2020, o Confluentes já repassou mais de R$900 mil a organizações que trabalham por um Brasil com menos desigualdade racial.

Para colaborar com essa causa, entre muitas outras, a partir de doações que fazem sentido dentro do seu orçamento e são inteiramente repassadas a ONGs com comprovado poder de impacto, torne-se confluente!

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